quinta-feira, 14 de julho de 2011

WiFi para desafogar redes 3G/4G

A grande popularização de notebooks (principalmente no Brasil, nos últimos anos), smartphones e recentemente de tablets ocasionou uma imensa sobrecarga nas redes 3G/4G das operadoras de telefonia celular. Nos EUA o quadro foi muito pior por dois motivos:
  • As operadoras de telefonia celular ofereciam, até pouco tempo, pacotes de acesso ilimitado à Internet (sem a infame "quota" de dados). Esse quadro mudou recentemente com o anúncio das duas maiores operadoras de telefonia celular de que iriam abandonar os planos ilimitados: a AT&T no ano passado e a Verizon a partir de 7 de Julho deste ano;
  • O advento do iPhone/iPad: desde a primeira versão, tanto o iPhone quanto o iPad foram uma febre nos EUA, sendo responsáveis pelos primeiros gargalos nas redes das operadoras de telefonia celular. Um usuário de iPhone consome cerca de cinco vezes mais largura de banda do que usuários de aparelhos convencionais. O iPad já é responsável por 1% de todos os acessos à Internet em nível mundial. Nos EUA, esse percentual sobe para 2,1%. Todos estes acessos são realizados utilizando redes 3G ou WiFi.
    Entretanto, este cenário não é restrito apenas aos países desenvolvidos - é um fenômeno mundial. Assim como no restante do mundo, aqui no Brasil também temos muitos usuários de iPhone, iPad, smartphones com Android, e em um futuro breve, teremos vários modelos de tablets no mercado, graças à medida provisória que prevê isenção de impostos para tablets fabricados no Brasil. Segundo análise da Ericsson, o tráfego de dados ultrapassou o tráfego de voz em redes móveis já em Maio de 2007. A tendência mundial é de que o tráfego de dados em redes móveis seja cada vez maior, aumentando cerca de 26 vezes entre 2010 e 2015, segundo previsão da Cisco. Já no Brasil, a expectativa é de que este aumento seja de 39 vezes no mesmo período - um crescimento de 108% ao ano.

    Para aliviar este problema, algumas operadoras ao redor do planeta tem testado algumas soluções. Uma delas é a criação de femtocélulas em locais com grande densidade de usuários. Femtocélulas são células de telefonia com uma menor área de cobertura - na ordem de algumas dezenas de metros, similar à área coberta por um ponto de acesso sem fio. Através da utilização de mini-ERBs (estações rádio base) - que se parecem com pontos de acesso sem fio - grandes populações de usuários podem ser atendidas em um mesmo local, como shopping centers (referência aqui), cafés, etc. Um dos  problemas desta abordagem é o valor das mini-ERBs, mais caras que um ponto de acesso sem fio padrão: o custo atual de uma femtocélula situa-se entre US$ 200 e 250, podendo chegar à US$ 100,00 em 2 anos para encomendas de grandes quantidades (referência aqui) - valores consideravelmente acima do custo de um ponto de acesso ordinário. Além disso, no Brasil existe uma taxa anual que deve ser paga por ERB instalada, não importando o tamanho da célula ou a área coberta. Sendo assim, instalar dezenas de femtocélulas em um shopping center, por exemplo, não faria sentido para as operadoras de telefonia celular, apenas para desafogar o tráfego de dados. Em contrapartida, o grande benefício de utilizar femtocélulas está no fato de que elas atendem tanto ao tráfego de voz quanto ao de dados. Em locais com grande densidade de usuários, um único equipamento poderia ser utilizado para atender às duas demandas: no caso de grandes eventos temporários, como shows ou jogos de futebol (copa do mundo), onde existe um grande número de usuários que podem tanto efetuar ligações quanto acessar a Internet, por exemplo.

    Outra solução possível é justamente a utilização de pontos de acesso sem fio nos locais com grandes densidades de usuários. Além do custo menor que uma mini-ERB, a tecnologia WiFi é simples e dispositivos WiFi embutidos estão presentes em vários tipos de aparelhos, como celulares, tablets e até mesmo televisores. Pontos de acesso no padrão 802.11n podem sustentar taxas de transferência de 300 Mbps (megabits por segundo), provendo acesso para uma grande população de usuários.  Em se tratando de taxas de transferência, é sempre válido lembrar que os valores informados são da taxa máxima teórica possível no meio físico, sem contar o overhead dos protocolos utilizados para transportar os dados. No caso das redes sem fio (802.11a/b/g/n), a taxa de transferência máxima utilizável é de menos da metade da taxa máxima teórica. Com base nessas informações, podemos assumir que um ponto de acesso 802.11n poderia fornecer uma taxa de transferência de 150 Mbps aos usuários. Se cada ponto de acesso atender 150 usuários, cada usuário teria 1 Mbps à sua disposição - o que pode ser considerada uma boa taxa de transferência  para navegar na Internet, verificar emails, utilizar programas de IM, etc. Por mais que 1 Mbps possa parecer pouco, é importante entender que o acesso realizado a partir de dispositivos móveis não se destina a efetuar downloads ou mesmo uploads de grandes arquivos. A estimativa de 150 usuários por ponto de acesso seria um caso extremo na maioria dos ambientes "normais", como shopping centers, cafés, etc. Assumindo que cada ponto de acesso atendesse 50 usuários, cada um teria 3 Mbps à disposição, o que é mais do que suficiente para um dispositivo móvel e mais do que uma conexão 3G oferece. Em todos estes casos, assumimos que todos os usuários estariam utilizando a rede ao mesmo tempo, o que não é estatisticamente provável. Vale notar que estas taxas são referentes apenas à rede de acesso, ou seja,  mostram a quantidade de megabits por segundo cada usuário conseguiria usufruir no ponto de acesso. Sendo assim, cada usuário irá compartilhar também a taxa de transferência proporcionada pela tecnologia utilizada para interligar os pontos de acesso à Internet (xDSL, Cable, FTTH, etc).

    Um exemplo (gigantesco) da utilização de WiFi (entre outras tecnologias) foi o trabalho realizado no Cowboy Stadium, no Texas (referências aqui, aqui e aqui). Com capacidade para 100.000 expectadores, o estádio privado possui tecnologias que a grande maioria das empresas ainda não possui. Foram instalados 884 pontos de acesso sem fio da Cisco (provavelmente 802.11n) para atender à estes 100.000 usuários. A ideia dos projetistas é de atender 250 usuários por ponto de acesso, em qualquer área do estádio. Fazendo uma estimativa aproximada e teórica, cada um destes usuários teria 600 Kbps (150 / 250 = 0.6 Mbps) à sua disposição se todos estivessem utilizando a rede ao mesmo tempo - o que é estatisticamente improvável, como já foi escrito. Assumindo que apenas 50% destes 250 usuários estivessem utilizando a rede sem fio ao mesmo tempo, então cada usuário poderia desfrutar de 1.2 Mbits (150 / 125 = 1.2 Mbps). Tudo isto assumindo que a taxa de transferência do ponto de acesso seja de aproximadamente 150 Mbits e lembrando que trata-se apenas da rede sem fio. Ao redor do estádio existe um anel principal de fibra óptica, com capacidade de aproximadamente 622 Mbps (OC-12) e outro de backup, com capacidade de aproximadamente 155 Mbps (OC-3). Se todos os 100.000 usuários utilizassem a rede ao mesmo tempo, teríamos pouco mais de 6 Kbps disponíveis para cada usuário, o que é realmente patético. Já se assumirmos novamente que apenas 50% dos usuários utilizasse a rede, então teríamos quase 13 Kbps para cada usuário - resultado ainda patético. Obviamente, não é possível proporcionar uma taxa de transmissão excelente para tantos usuários sem que o custo seja astronômico (por isso os provedores de acesso não garantem 100% da largura de banda que vendem); dessa forma, se assumirmos que apenas 1% dos usuários utilizar a rede de fibra ao mesmo tempo, então cada um teria 622 Kbps (622.000 / 1000 = 622 Kbps) à disposição - o que não é uma taxa de transmissão péssima, embora não seja a desejável. Para que cada usuário pudesse contar com uma taxa em torno de 1 Mbps, seria necessário que apenas 622 usuários acessassem a rede de fibra ao mesmo tempo - algo em torno de 0,6% do público total. Embora pareça improvável, o projeto foi realizado em parceria com a Cisco e com certeza não foi feito de maneira amadora. Através dos equipamentos da Cisco, é possível visualizar quais os setores do estádio estão demandando maior largura de banda e aumentar a capacidade da rede naquele setor, de modo que a experiência online do usuário justifique os US$ 3.000 do ingresso mais barato ou os US$ 23.000 do ingresso mais caro.

    Além dos pontos de acesso sem fio, existe a infraestrutura de telefonia celular montada por várias operadoras (por iniciativa do próprio Cowboy Stadium) para proporcionar que cada um dos 100.000 expectadores consiga efetuar ligações ao mesmo tempo, se necessário. Mas ao contrário do que possa parecer, a tecnologia utilizada não foi a femtocélula: a maioria das operadoras utiliza um sistema de antenas distribuídas (DAS - Distributed Antenna System) pelo estádio, de forma a proporcionar uma melhor cobertura. A AT&T instalou cerca de 1000 antenas distribuídas por todo o estádio, efetivamente construindo dezenas de células dentro do estádio. Esta também foi a abordagem utilizada pela Verizon e T-Mobile. A Sprint também utilizou DAS (aparentemente em menor número que a AT&T), além de duas torres celulares móveis próximas ao estádio e mais duas torres 4G apenas para dados.

    O exemplo do Cowboy Stadium foi utilizado apenas para provar que o WiFi é capaz de suportar enormes populações de usuários simultaneamente e que a tecnologia necessária para isto não é de outro mundo. Dito isto, cabe às operadoras de telefonia celular - em qualquer lugar do mundo - proporcionar soluções plausíveis aos clientes, de modo que possam ter acesso à Internet em seus equipamentos, não importando a tecnologia utilizada. Não é o cliente quem tem que buscar alternativas para problemas técnicos, ou mesmo de mercado, que estão além da sua responsabilidade. Se a operadora cobra por acesso à Internet, ela deveria proporcionar os meios para isto. E é justamente o que as operadoras ao redor do mundo - principalmente nos EUA - estão fazendo. Já em 2008, a AT&T comprou a Wayport - então maior operadora de WiFi do país - e elevou para mais de 20.000 o número de pontos de acesso disponíveis a seus clientes nos EUA. Em nível mundial, a AT&T possui agora mais de 80.000 pontos de acesso. Todos os clientes da AT&T possuem acesso gratuito à rede sem fio, definitivamente possibilitando o desafogamento de suas redes 3G/4G para dados. A T-Mobile e a Verizon também possuem pontos de acesso espalhados pelos EUA, mas em número bem menor que a AT&T. No Brasil, pelos menos duas operadoras realizaram parceria com o maior provedor de WiFi do país - a Vex: a Claro em 2005 e a TIM em 2010. A Vex possui mais de 40.000 pontos de acesso em 57 países. Os clientes destas operadoras tem acesso à rede da Vex, mas ao contrário do exemplo americano, o serviço é pago. Das duas operadoras, apenas no site da TIM é possível encontrar a informação de modo fácil. Entretanto, o atendimento da Claro confirmou que a parceria ainda existe.

    Como seria de esperar, a necessidade de pontos de acesso sem fio para desafogar as redes de telefonia celular existe apenas onde há grandes concentrações de usuários. No Brasil, existem pontos de acesso sem fio em praticamente todos os shopping centers, supermercados, livrarias, restaurantes e etc (a grande maioria deles operados pela Vex, inclusive). Dadas as necessidades de acesso em um smartphone, tablet ou notebook em ambiente externo, os pontos de acesso disponíveis no Brasil suprem as necessidades de largura de banda dos usuários. Claro, é necessário gerenciar essa rede sem fio de forma a proporcionar uma boa qualidade ao usuário: de nada adianta oferecer acesso sem fio pela cidade se o backbone for insuficiente para atender às demandas de tráfego dos usuários. Se não for possível nem assistir à um vídeo pelo YouTube ou efetuar upload de arquivos em um tempo plausível, de nada adianta ter acesso sem fio, mesmo de graça. E este é justamente o segundo ponto interessante: o maior questionamento não é em relação à qualidade do acesso à Internet através da rede sem fio, mas da cobrança deste serviço. Se é possível nos EUA, também é possível no Brasil. O velho mantra do alto custo de operação da infraestrutura por causa dos impostos não é justificativa para a cobrança. Se a situação para as operadoras de telefonia celular fosse tão ruim quanto pregam,  não teriam lucros muito significativos como os que tem obtido e já teriam fechado suas portas. Se o cliente paga por um plano pré ou pós pago, porque não oferecer acesso WiFi gratuito para estimulá-lo a deixar de usar a rede 3G - proporcionando o desafogamento dessa infraestrutura e consequentemente evitando (ou reduzindo) a necessidade de upgrade da capacidade das ERBs?

    Seja construindo redes sem fio próprias ou efetuando parcerias com provedores de WiFi já estabelecidos, esta parece ser a solução definitiva para evitar o caos nas redes das operadoras de telefonia celular. Mesmo redes 4G que utilizam o LTE (Long Term Evolution) - que suporta taxas de transmissão de 100 Mbps (downstream) e um maior número de usuários - não tem capacidade para atender toda a demanda atual de consumo de dados em redes móveis. Ou as operadoras aderem ao uso do WiFi ou implantam dez vezes mais ERBs do que tem hoje.

    Referências:

    tpicom.com/pdf/Dallas_Cowboys%20att.pdf
    http://www.businessinsider.com/which-carrier-will-be-ready-for-the-super-bowl-in-dallas-2011-2

    terça-feira, 31 de maio de 2011

    Banda larga via cable modem - parte 2

    Na primeira parte do artigo foram vistos os elementos ativos e passivos de uma rede DOCSIS/HFC, assim como algumas informações relativas ao seu funcionamento. Nesta parte, serão ampliadas as informações sobre os protocolos DOCSIS e PacketCable.

    DOCSIS

    O protocolo DOCSIS foi criado pela CableLabs - um consórcio de empresas (ou entidade) sem fins lucrativos cujo objetivo é fomentar a pesquisa e o desenvolvimento de tecnologias para redes à cabo, além de auxiliar seus membros a incorporarem estas tecnologias aos seus negócios. Da mesma forma, a versão do DOCSIS para o mercado europeu - o EuroDOCSIS - é de responsabilidade da Cable Europe, entidade com estrutura e fins semelhantes à CableLabs. O motivo para a existência de uma versão específica para o mercado europeu será visto adiante. Além da variante europeia, o Japão também possui uma versão modificada do DOCSIS (novas implementações e atualizações já utilizam a versão 3.0 do DOCSIS oficial).

    Atualmente, o protocolo DOCSIS está em sua quarta versão. O histórico das versões e suas características são as seguintes:

    1.0 - emitida em 1997, proporciona conectividade básica à Internet para um ou mais dispositivos do cliente, a possibilidade de limitar a taxa de transmissão por cliente, a interoperabilidade entre cable modems de vários fabricantes e recursos de segurança (BPI - Baseline Privacy Interface);

    1.1 - emitida em 1999, aprimorou os aspectos de flexibilidade operacional e segurança (BPI+) e introduziu recursos de qualidade de serviço (QoS), possibilitando a definição de garantias para a taxa de transmissão e latência. Com isso, é possível oferecer serviços de voz utilizando o protocolo PacketCable;

    2.0 - emitida em 2001, proporciona melhores taxas de transferência e confiabilidade no fluxo de upstream, para serviços simétricos - a taxa de transferência máxima praticável foi elevada para 27 Mbps. Também prevê a possibilidade de utilizar uma extensão ao protocolo para permitir o uso de IPv6;

    3.0 - emitida em 2006, é a versão mais atual do protocolo (até a data presente). Proporciona o uso nativo de IPv6, suporte para IPTV e o recurso de channel bonding, que permite agregar vários canais para a transmissão tanto no fluxo de downstream quanto no de upstream. No mínimo quatro canais devem ser suportados pelos dispositivos. O número máximo de canais não é especificado.

    Cada nova versão do DOCSIS adiciona recursos sobre a versão anterior, de modo que as mais recentes são compatíveis com as mais antigas. A atualização de versão de uma rede DOCSIS compreende os CMTSs e os cable modems, sendo que o CMTS é quem define a versão máxima utilizada na rede. Além disso, cable modems de diferentes versões podem ser utilizados na rede: o CMTS utiliza a maior versão suportada pelo dispositivo.

    Conforme escrito na primeira parte deste artigo, o protocolo DOCSIS proporciona a transmissão de dados sobre uma rede física HFC. Sendo assim, o fator mais relevante para a definição das taxas de transmissão é o meio físico: é ele quem determina a largura de banda a ser utilizada dentro do espectro disponível, assim como os esquemas de modulação necessários para lidar com sua inerente interferência e atenuação.

    A resposta em frequência (ou espectro utilizável) de um cabo coaxial é de 5 a 1000 Mhz. Sendo assim, esta é a faixa de frequências que pode ser utilizada no transporte de informações em uma rede HFC. Entretanto, nem todas as redes HFC foram atualizadas para utilizar o máximo de 1000 Mhz - algumas ainda operam com frequência máxima de 750 ou 860 Mhz (o processo de atualização abrange os amplificadores e as placas de RF do CMTS). É importante ter este fato em mente durante a leitura deste artigo: onde for especificada a frequência de 1000 Mhz, pode-se substituir por 750/860 Mhz.

    Como a quantidade de informações recebidas por um cliente é muito maior do que a quantidade de informações que ele possa vir a transmitir, é necessário alocar a maior parte deste espectro (5-1000 Mhz) para o fluxo de downstream, reservando apenas uma pequena parte para o fluxo de upstream. A figura 1 mostra a alocação típica de frequências em uma rede DOCSIS.

    Figura 1 - alocação de espectro em uma rede DOCSIS

    Nota: a expressão "típica" é utilizada neste artigo como sinônimo de "padrão". Aqueles que trabalham com eletrônica, TI ou qualquer outra área técnica/científica sabem que não vivemos em um mundo "ideal": existem inúmeros fatores que podem alterar as variáveis de um determinado "sistema fechado". 

    No caso da alocação de espectro, o fim da faixa de upstream e o início da faixa de downstream podem ser alterados por necessidades de mercado ou mesmo da versão do protocolo utilizado. O DOCSIS foi originalmente concebido para a transmissão de canais no padrão americano NTSC (atualmente denominado ATSC), que ocupam uma faixa de 6 Mhz. Entretanto, no mercado europeu, utiliza-se o padrão PAL, que ocupa uma faixa de 8 Mhz por canal. Dessa forma, foi necessário criar uma especificação que atendesse ao mercado europeu, surgindo então o EuroDOCSIS.

    Um fato interessante a ser notado é o seguinte: se no Brasil o padrão para transmissão de TV é o PAL, porque as operadoras de TV à cabo utilizam o DOCSIS e não o EuroDOCSIS? Porque a variante brasileira do PAL, o PAL-M, é praticamente igual ao padrão NTSC, ocupando inclusive a mesma faixa de 6 Mhz. Assim, faz mais sentido utilizar o DOCSIS.

    No DOCSIS 1.x e 2.0, a faixa de upstream vai de 5 a 42 Mhz, enquanto a faixa downstream vai de 50 a 1000 Mhz. Já no DOCSIS 3.0, a faixa de upstream pode ir de 5 a 85 Mhz e a faixa de downstream de 108 a 1000 Mhz. Em comparação, no EuroDOCSIS a faixa de upstream vai de 5 a 65 Mhz e a faixa de downstream de 80.6 Mhz a 1000 Mhz.

    Por utilizar canais de 8 Mhz, o EuroDOCSIS proporciona taxas de transferência mais altas do que o DOCSIS. A figura 2 ilustra a diferença, comparando as versões dos dois protocolos (a versão 3.0 exibe as taxas alcançadas através do uso de 4 e 8 canais agregados). Note que cada célula da tabela possui dois valores: o máximo teórico e o máximo praticável.

    Figura 2 - taxas de transmissão máxima no DOCSIS e no EuroDOCSIS

    Existe uma diferença entre a taxa de transmissão máxima teórica e a máxima praticável, devido ao overhead causado pelos vários protocolos utilizados na transferência das informações. A codificação Reed-Solomon (para correção de erros), o esquema de modulação Trellis e o protocolo MPEG acrescentam cerca de 14% de overhead. Além disso, os cabeçalhos DOCSIS e Ethernet adicionam um pouco mais de overhead.

    Um fato muito importante a ser dito sobre as taxas de transmissão em uma rede DOCSIS (utilizando agregação de canais ou não) é que elas não são dedicadas a cada assinante, mas a cada nó óptico ou área de cobertura: isto significa que a taxa de transmissão é dividida por todos os assinantes atendidos por um determinado nó óptico. O marketing de algumas operadoras (senão todas) sugere que cada usuário poderá usufruir da taxa de transmissão (ou "velocidade") máxima, o que não é verdade. Embora seja tecnicamente possível atribuir a taxa de transferência máxima para apenas um determinado cliente, em prática a ideia não faz o menor sentido, uma vez que a arquitetura da rede HFC é projetada para atender um número "x" de clientes, que rateiam o custo da infra-estrutura (mais sobre este assunto em uma outra parte do artigo).

    Como foi visto anteriormente, a versão 3.0 do DOCSIS permite a utilização de 4 ou mais canais agregados para a transferência de dados. Embora a especificação não determine um número máximo de canais que podem ser agregados, existe um limite prático: a figura 1 mostra que além do fluxo de downstream, o meio físico também necessita transportar os canais analógicos e os digitais, além do serviço de VoD (Video on Demand). Como o espectro é limitado, não sobram muitos canais que possam ser agregados para a transmissão de dados. O ideal seria abandonar de vez os canais analógicos, mas muitas operadoras de TV à cabo ainda possuem assinantes com receptores analógicos: no Brasil, muitos clientes da NET ainda possuem os "planos básicos" ou promocionais que oferecem apenas os canais analógicos. A esmagadora maioria das operadoras de TV à cabo dos Estados Unidos oferece todos os canais legalmente possíveis na forma digital, restando apenas os canais locais que devem obrigatoriamente ser mantidos na forma analógica em virtude do "período de transição" entre a TV analógica e a digital (TV aberta, em VHF ou UHF). Lá, a lei determina que as empresas de TV à cabo devem continuar transmitindo os canais locais até Fevereiro de 2012. Após este período (se não for renovado pelos órgãos competentes), os canais analógicos serão completamente removidos da TV à cabo. Mais informações sobre este período de transição podem ser encontradas aqui e aqui.

    Cada canal analógico de 6 Mhz liberado pode ser utilizado para transportar de 6 a 10 canais digitais em SD (Standard Definition) ou de 3 a 5 em HD (High Definition), dependendo do algoritmo de compressão utilizado. Com estes dados em mente, pode-se facilmente perceber que 200 canais digitais ocupam menos espectro (ou largura de banda em Mhz) do que 200 canais analógicos. A eliminação completa dos canais analógicos liberaria espectro suficiente para agregar 32 canais (por exemplo) para a transmissão de dados, proporcionando uma taxa de transferência de 32 x 38 Mbps (máxima praticável por canal no DOCSIS 3.0) = 1.2 Gbps. Recentemente a Cisco realizou um teste onde alcançou quase 1.6 Gbps, utilizando seu novo CMTS, que suporta agregar até 72 canais no fluxo de downstream e 60 canais no de upstream.

    Além da falta de espectro disponível na rede HFC, outro fator que limita o número de canais que podem ser agregados pelas operadoras é a falta de cable modems que suportem mais de 8 canais agregados (até a presente data). No teste da Cisco, referido acima, foram utilizados protótipos de cable modems que suportam 16 canais agregados no fluxo de downstream e 4 canais no de upstream. Mesmo assim, foram utilizados três destes protótipos para realizar o teste com 48 canais agregados. É tecnologicamente possível produzir cable modems que agreguem 72 canais ou mais, mas o custo é alto. Então, até que esta situação mude, não devem ser esperadas taxas de transmissão maiores que 300 Mbps (8 canais agregados) tão cedo.

    No final de 2008, a NET começou a oferecer acessos de 60 Mbps (megabits por segundo) no Rio de Janeiro e em São Paulo, em caráter experimental. Já na metade de 2010, a empresa passou a oferecer formalmente planos de acesso de até 100 Mbps. A oferta destes serviços só foi possível através da utilização do DOCSIS 3.0 tanto nos CMTSs da NET quanto nos novos cable modems fornecidos. Segundo este documento da assessoria de imprensa da NET, os CMTSs são Cisco uBR 10012 e os cable modems são Cisco DPC3000. De acordo com o referido documento, a NET afirma que esta nova infra-estrutura pode oferecer taxas de transmissão de até 300 Mbps. Conforme ilustrado na figura 2, a taxa de transmissão de 300 Mbps (praticável) só pode ser alcançada através da utilização de 8 canais agregados. Entretanto, o modelo de cable modem fornecido pela NET (DPC3000) suporta apenas 4 canais agregados (dowstream e upstream), o que fornece uma taxa de transferência máxima praticável de 152 Mbps (o modelo DPC3010 suporta 8 canais agregados para downstream e 4 canais para upstream). Embora pareça contraditório, este parece ser o procedimento mais sensato, uma vez que não existe a necessidade de oferecer cable modems que suportem 8 canais agregados e forneçam 300 Mbps (e que possuem um custo mais elevado) se o melhor plano de banda larga da empresa proporciona "apenas" 100 Mbps. Conforme a necessidade por novas "velocidades" for surgindo, os equipamentos serão atualizados.

    PacketCable

    Além do DOCSIS, existe ainda outro protocolo utilizado em uma rede HFC: o PacketCable. Também criado pela CableLabs, seu propósito é habilitar a transmissão baseada em IP de voz e outros serviços multimídia sobre a rede DOCSIS (no mínimo versão 1.1). Assim como o DOCSIS, o PacketCable também possui uma variante europeia - o EuroPacketCable. Entretanto, não existem diferenças técnicas em relação ao PacketCable: trata-se apenas de uma versão adaptada ao protocolo EuroDOCSIS que recebeu uma nomenclatura consistente com o protocolo de base e o mercado.

    O PacketCable possui três versões, sendo que a última ainda não foi emitida. Suas características são:

    1.0 - estabelece uma arquitetura para fornecimento de serviço residencial de telefonia digital sobre redes DOCSIS;

    1.5 - proporciona suporte à fax, modem, entroncamento analógico para PBX e SIP (Session Initiation Protocol);

    2.0 - estabelece uma nova arquitetura, que visa proporcionar serviços residenciais e empresariais (pequeno e médio porte) de telefonia digital, incluindo videotelefonia e recursos de mobilidade. Está em processo de homologação.

    Existem muitas fontes de informação afirmando que o PacketCable é um serviço de VoIP, como se fosse uma "marca" ou "tipo" de VoIP. Entretanto essa é uma afirmação equivocada, uma vez que o serviço de VoIP é apenas um dos serviços que podem ser oferecidos sobre o protocolo PacketCable. Serviços como suporte à jogos multiplayer, videoconferência e mensagens unificadas podem ser oferecidos no futuro, se houver demanda. É importante entender que todo o tráfego transportado pelo PacketCable é baseado em IP, ou seja: todo serviço multimídia que vier a ser oferecido, será convertido para IP (pelo EMTA) e então transportado pela rede HFC através do PacketCable.

    Em se tratando de VoIP, é muito comum pensar em serviços oferecidos através da Internet, por aplicações como Skype, Google Talk e outros. Este estigma de "amadorismo" não reflete a maturidade da tecnologia de voz sobre IP. Empresas como a GVT oferecem serviços de VoIP comercialmente e com qualidade superior aos serviços gratuitos. O serviço de VoIP da GVT, o Vono, utiliza a mesma tecnologia do Skype e do Google Talk, fornecida pela Global IP Solutions (adquirida pelo Google em 2010). A grande diferença entre os dois tipos de serviços é que a GVT consegue controlar o QoS em sua rede. Note-se que para haver controle de QoS, todas as reservas e/ou garantias devem ser proporcionadas de ponta a ponta em uma rede. Se este controle for possível apenas em uma parte da rede, então não podemos chamar de "QoS", já que a "qualidade de serviço" deve ser oferecida em sua totalidade.

    O propósito desta segunda parte do artigo não é fornecer informações detalhadas sobre a transmissão de voz sobre IP; entretanto, de forma simplificada será descrito como este processo ocorre. O EMTA possui um CODEC (Coder-Decoder) embutido, para converter a voz em pacotes IP. Um CODEC (de áudio, neste caso) é um dispositivo ou software que converte sinais de áudio analógicos em sinais digitais, comprimindo-os (dependendo do CODEC) para ocuparem menos largura de banda. Depois de codificados, os pacotes são enviados pela rede DOCSIS até o CMTS, que irá direcioná-lo até o destino desejado - um outro EMTA na mesma rede, um telefone do STFC (rede de telefonia convencional) ou mesmo um outro EMTA de outra operadora de TV à cabo. No DOCSIS todos os fluxos de dados são considerados como unidirecionais. Logo, uma conversação telefônica via PacketCable (que opera sobre o DOCSIS) utiliza dois fluxos de dados: o que entra na rede DOCSIS através do EMTA e vai até o CMTS e o que faz o caminho inverso. A figura 3 mostra um diagrama simplificado do percurso pelo qual os fluxos de dados devem transitar (setas vermelha e azul) se a conversação acontecer entre dois clientes de uma mesma operadora.

    Figura 3 - percurso dos fluxos de dados na rede DOCSIS

    Os fatores de maior importância na definição da qualidade da voz quando transportada sobre IP são os seguintes: perda de pacotes, latência e jitter (variação no intervalo entre os pacotes). Destes fatores, o único sobre o qual o protocolo DOCSIS tem controle direto é a latência. Além da latência, o DOCSIS também pode efetuar reserva de largura de banda (em bits por segundo), a fim de evitar congestionamento de pacotes IP. Estas duas técnicas - reserva de largura de banda e garantia de latência máxima - podem exercer controle sobre os três fatores descritos, de forma a mantê-los em um nível aceitável. Mas quais são os níveis aceitáveis? Segundo testes realizados com CODECs de áudio, um nível de 3% de perda de pacotes proporciona uma qualidade de conversação inferior à da telefonia convencional. Acima de 3% a codificação da voz fica tão degradada que a qualidade da conversação torna-se inaceitável. Alguns CODECs exigem menos de 1% de perda para evitar erros perceptíveis ao ouvido humano. Quanto à latência, o padrão G.114 especificado pelo ITU (International Telecommunication Union) define como sendo, no máximo, 150 ms (milisegundos) de uma ponta à outra (do emissor até o receptor) e em um único sentido. Segundo a Cisco, este padrão do ITU está sob revisão, possivelmente porque o valor de 150 ms é muito alto de acordo com algumas fontes. Em uma rede de telefonia convencional, a latência situa-se em torno de 45 ms. Estima-se então que para a transmissão de voz sobre IP seriam aceitáveis 75 ms, uma vez que acima de 100 ms já há degradação na qualidade da conversação.

    A grande complexidade em garantir latência mínima e reservar um percentual de largura de banda para o tráfego de voz via PacketCable, é que a rede de uma operadora de TV à cabo não é composta apenas pela rede física HFC. Conforme ilustrado na figura 3, a rede HFC compõe apenas a rede de acesso da operadora, que por sua vez comunica-se com a rede IP gerenciada, composta por roteadores e demais equipamentos típicos de um backbone IP. O DOCSIS consegue efetuar controle de QoS apenas na parte HFC da rede. Como foi escrito anteriormente, QoS implica garantias e reservas de ponta a ponta; com isso, é necessário haver uma integração entre as duas redes - HFC e IP - de modo a conservar as garantias e reservas por toda a rede da operadora.

    Esta integração é realizada pelo CMTS, que realiza um processo de alocação de recursos consideravelmente complexo. Para simplificar este processo, podemos descrevê-lo da seguinte forma: o EMTA solicita a reserva de recursos ao CMTS, que por sua vez verifica a possibilidade de atender à solicitação (a rede pode estar congestionada; pode haver falha em algum equipamento da rede; se o receptor for outro EMTA na mesma rede pode haver falta de energia elétrica em seu segmento; etc). Se for possível, o CMTS alocará os recursos necessários na rede DOCSIS - largura de banda e minislots suficientes para garantir a latência solicitada - e também na rede IP - utilizando protocolos de sinalização para reserva de recursos no backbone. Caso tenha sido possível alocar todos os recursos solicitados, o CMTS efetivamente criou dois fluxos de dados para o EMTA - um fluxo partindo deste até o receptor e outro no caminho inverso; então o CMTS envia uma mensagem ao EMTA informando sobre os dois fluxos criados. Com estas informações, o EMTA envia os pacotes IP através do fluxo de ida e recebe-os através do fluxo de retorno. A partir deste momento, tanto o EMTA quanto o CMTS tem sua responsabilidade em garantir a qualidade de serviço - cada um deles agindo sobre ambos os fluxos de dados. As tarefas de cada um podem ser descritas da seguinte forma:

    EMTA:
    • Buscar, no CMTS, as políticas de QoS para os pacotes IP que serão enviados (pelo EMTA);
    • Aplicar as configurações definidas nestas políticas sobre os pacotes IP;
    • Classificar os pacotes IP e direcioná-los ao fluxo correspondente (pode haver mais de um telefone conectado ao EMTA, e com isso o tráfego de cada um deles é direcionado para um fluxo diferente);
    • Efetuar traffic shaping e policiamento de acordo com as políticas de QoS;
    • Alterar o campo ToS (Type of Service) dos pacotes IP de acordo com as políticas de QoS;
    • Manter o estado para os fluxos ativos.
    CMTS:
    • Fornecer ao EMTA as políticas de QoS necessárias;
    • Alocar largura de banda de acordo com as requisições do EMTA e das políticas de QoS;
    • Classificar cada pacote recebido da rede DOCSIS e atribuí-lo à um determinado nível de QoS baseado em filtros previamente configurados;
    • Policiar (analisar) o campo ToS dos pacotes IP recebidos da rede DOCSIS e definir as configurações no ToS de acordo com as políticas da rede IP;
    • Alterar o ToS dos pacotes IP sendo enviados ao EMTA, de acordo com as políticas de QoS;
    • Efetuar traffic shaping e policiamento de acordo com as políticas de QoS;
    • Direcionar os pacotes enviados ao EMTA utilizando as devidas políticas de QoS ;
    • Direcionar os pacotes recebidos do EMTA para a rede IP utilizando as devidas políticas de QoS;
    • Manter o estado para os fluxos ativos.

      Nota: as operações de traffic shaping e policiamento aqui descritas são as que agem apenas sobre o tráfego de voz. O EMTA e o CMTS podem realizar estas operações (e efetivamente o fazem, por "n" motivos) em todos os pacotes que trafegam por eles, mas este procedimento será explicado em outra parte deste artigo.

      É importante ressaltar que o PacketCable é responsável pelo que podemos chamar de "gerência" de QoS apenas: ele define quais são os parâmetros de QoS mas não tem capacidade de alocar os devidos recursos - esta tarefa é de responsabilidade do DOCSIS, que opera nos protocolos de sinalização (camadas mais baixas da rede) e efetivamente aloca os recursos. É por este motivo que o PacketCable necessita, no mínimo, da versão 1.1 do DOCSIS, já que esta versão foi a primeira a implementar mecanismos de QoS.

      Com isso conclui-se a segunda parte deste artigo. Espero em breve estar publicando a terceira parte, possivelmente descrevendo os esquemas de modulação utilizados e sua interação com os elementos de rede.

      Referências

      http://broadbandgear.net/2011/03/tackling-today%E2%80%99s-upstream-challenges/
      http://arstechnica.com/business/news/2011/05/docsis-the-unsung-hero-of-high-speed-cable-internet-access.ars/2
      http://www.ciscopress.com/articles/article.asp?p=357102
      http://www.voip-info.org/wiki/view/QoS
      http://bandwidth.com/wiki/articl/What_is_Considered_Acceptable_Latency_for_a_VoIP_Network%3F

      http://www.cablelabs.com/specifications/CM-SP-PHYv3.0-I09-101008.pdf
      http://www.cablelabs.com/specifications/PKT-SP-DQOS-C01-071129.pdf
      http://www.cablelabs.com/packetcable/downloads/NCTA02_VOIP_Services.pdf

      segunda-feira, 23 de maio de 2011

      Banda larga via cable modem - parte 1 (atualizado)

      A banda larga "via cable" tem se popularizado no Brasil nos últimos anos. Já em 2009, a NET ultrapassou a Telefónica em número de assinantes, conforme vários sites de notícias informaram na época (por exemplo, aqui e aqui). Essa popularização ocorreu principalmente por causa da oferta de serviços triple play – TV por assinatura, Internet e telefonia – por parte da NET, em 2006. A partir da oferta de “combos”, a NET conseguiu aumentar sua base de clientes e consequentemente aumentar sua participação no mercado de banda larga. Mas apesar desta popularização, existe muita desinformação no que se refere ao funcionamento da banda larga via cabo, provocado principalmente por estratégias de marketing.

      O que normalmente chamamos de banda larga "via cable" ou "via cabo", é na verdade via DOCSIS (Data Over Cable Service Interface Specification) sobre uma rede HFC (Hybrid Fiber-Coax). DOCSIS é uma especificação (ou protocolo) para transmissão de dados em redes HFC. Existe ainda a especificação PacketCable,  complementar à DOCSIS, utilizada para transportar dados multimídia sobre a rede HFC, sendo que atualmente é utilizada apenas para transportar voz sobre IP (VoIP). Uma rede HFC é composta por cabos de fibra óptica e cabos coaxiais. Poderíamos afirmar que a parte física da rede é HFC enquanto a parte lógica é DOCSIS. Uma rede DOCSIS/HFC é composta de um determinado número de equipamentos, ativos e passivos, responsáveis pelo seu funcionamento e gerenciamento. A figura 1 mostra uma visão simplificada de uma rede HFC (portanto, da parte física da rede).

      Figura 1

      Alguns elementos da rede HFC mais próximos ao cliente são mostrados na figura 2.

      Figura 2

      Nota: o termo "Centro de Operações" é originalmente chamado de headend em inglês; porém, como não existe equivalente direto em português para esta palavra, preferi utilizar o termo "Centro de Operações", por ser similar ao termo Central Office amplamente utilizado em diagramas de outras tecnologias, como xDSL, FTTH, etc. Da mesma forma, utilizo aqui o termo "Nó óptico" em referência ao termo original em inglês optical node (ou também fiber node).

      Iniciando pelos elementos de rede externos mais próximos ao cliente, podemos descrever e analisar os seguintes:

      Feeder: é o cabo coaxial, pertencente ao segmento secundário de uma rede HFC, que inicia no nó óptico e estende-se por toda uma determinada área (um ou mais bairros, por exemplo). O comprimento do feeder depende da arquitetura da rede (extensão da fibra óptica, capilaridade desejada, etc), podendo alcançar até 3 Km. Nas redes aéreas, os feeders são suspensos e presos aos postes por cabos de aço (como os cabos de telefonia). Como o cabo coaxial sofre mais retração ou expansão térmica do que o cabo de aço, é necessário criar "pontos de expansão" ou "barrigas" nos feeders, junto a cada poste. Estes pontos de expansão também são utilizados para a instalação de novos equipamentos, se (ou quando) for necessário.

      Figura 3 - feeder com pontos de expansão (setas vermelhas)

      Tap: é utilizado para distribuir ou combinar os sinais de RF (Radio Frequency). Possui uma entrada, algumas saídas secundárias (geralmente duas, quatro ou oito) e uma saída principal. Sendo assimétrico, o tap distribui uma porção do sinal de entrada entre as saídas secundárias, direcionando a maior parte do sinal para a saída principal. O sinal de upstream originado no cliente é multiplexado (ou combinado) aos outros sinais de RF passando pelo tap. Os taps são instalados ao longo do feeder, em locais onde existam residências ou empresas, para possibilitar a conexão dos drops que atenderão aos clientes. A figura 4 mostra um tap com quatro saídas secundárias.

      Figura 4 (http://www.vector.com.pl)

      Drop: é o cabo coaxial, ligado ao tap, que leva o sinal até o cliente. Tipicamente, seu comprimento é menor que 200 metros.

      Amplificador: devido às altas frequências utilizadas na rede HFC (mais detalhes na segunda parte deste artigo), o sinal sofre atenuação - isto é, diminuição de intensidade ao propagar-se pelo cabo coaxial. Por este motivo é necessária a utilização de amplificadores nos feeders em intervalos regulares

      Figura 5 – amplificador (seta vermelha)

      A amplificação é bidirecional, atuando tanto no sinal de downstream quanto no de upstream. Entretanto, cada amplificador instalado introduz distorções no sinal (devido às suas características eletrônicas), limitando a quantidade destes equipamentos por feeder. Normalmente são instalados três ou quatro amplificadores por feeder, embora existam referências de até seis. Os fatores que definem o número de amplificadores e a distância entre eles são os seguintes:
      • Frequência máxima do sistema, em Mhz ou Ghz;
      • Tipo de cabo coaxial sendo utilizado e seu tamanho;
      • Atenuação (em dB) por metro de cabo, operando na frequência máxima;
      • Ganho operacional do amplificador (também em dB), operando na frequência máxima.

      Fonte de alimentação: equipamento que converte a voltagem da rede comercial para uma voltagem menor – tipicamente 60 ou 90 V, sendo esta última predominante – multiplexando-a com os sinais de RF e injetando o sinal resultante em um cabo coaxial que alimentará os elementos ativos da rede (nós ópticos e amplificadores). A corrente pode situar-se entre 10 e 15 A ou mesmo 40 A, dependendo da quantidade de elementos sendo alimentados. Cada fonte pode alimentar um grupo de dez a vinte elementos, e conta com baterias recarregáveis para alimentá-los em caso de falta de energia elétrica, por um período de 2 a 8 horas (dependendo da quantidade de baterias instaladas). Na figura 6 é mostrada uma fonte de alimentação da NET, onde pode ser visto o armário metálico que armazena os circuitos lógicos e as baterias.

      Figura 6

      Abaixo do armário, pode ser visto o medidor de consumo de energia elétrica (para aferição da companhia de energia elétrica), e acima do medidor (atrás do armário) está o protetor contra descargas na rede. O protetor é necessário devido aos vários fatores que podem provocar alteração na voltagem fornecida à fonte, como raios, problemas ou manutenções na rede elétrica, queda de árvores nos cabos da rede HFC, etc.

      A fonte possui duas luzes (LEDs) indicativas de status: a verde é chamada de ACI (AC Indicator) e indica que a voltagem de saída (90 V) está estabilizada; a vermelha é chamada de LRI (Local Remote Indicator) e indica operação através das baterias. A luz vermelha pode ainda ser piscante, indicando um problema no circuito que necessita de manutenção. As luzes de status são indicadas pela seta vermelha na figura 7 (luz verde à esquerda e vermelha à direita). Estas informações foram extraídas do manual do fabricante das fontes de alimentação utilizadas pela NET - a Alpha. Entretanto, todas as fontes da NET observadas em Porto Alegre encontram-se com as duas luzes sempre desligadas. Algumas vezes, é possível encontrar fontes apenas com a luz vermelha permanentemente acessa.

      Figura 7

      A energia elétrica fornecida pela fonte de alimentação é inserida no feeder através de um "injetor de força", como o mostrado na figura 8. O cabo coaxial energizado proveniente da fonte de alimentação é acoplado ao injetor, juntamente com um dos segmentos do feeder. O injetor localiza-se quase sempre em um raio de cerca de 1 metro a partir da fonte de alimentação.

      Figura 8

      Trunk: em uma rede HFC, a parte principal do segmento de distribuição é composta por cabos de fibra óptica monomodo (isto é, apenas um feixe de luz transita pela fibra óptica), que transportam o sinal originado no centro de operações até os nós ópticos, que por sua vez distribuem o sinal através dos feeders. Estes cabos de fibra óptica são denominados trunks, e interligam os CMTSs (descritos posteriormente) aos vários nós ópticos distribuídos por uma determinada região através de uma topologia em anel. Existem referências que afirmam ser em estrela a topologia deste segmento óptico da rede HFC, o que também é possível.

      Conforme será analisado posteriormente, cada nó óptico atende um determinado número de clientes, e este número vem sendo reduzido nos últimos anos, visando aumentar a largura de banda disponível para cada cliente. Em redes mais antigas, o número de nós ópticos era menor, pois cada um deles atendia um número maior de clientes. Dessa forma, a rede HFC de uma área (uma ou mais cidades, por exemplo) possuía poucos nós ópticos, sendo economicamente viável interligar cada um deles ao centro de operações por um par de fibras ópticas dedicadas.

      Entretanto, a partir do momento em que cada nó óptico começa a atender menos clientes, é necessário aumentar o número destes equipamentos na rede HFC desta área, podendo chegar às centenas de unidades. Ora, interligar centenas de nós ópticos ao centro de operações por fibras ópticas dedicadas torna-se extremamente caro, tanto pelo custo do material em si quanto pelo custo da mão-de-obra necessária para instalar a fibra óptica (que sabidamente representa a maior parte do custo de uma rede metropolitana). Somando-se à isto o fato de que cada trunk contém no mínimo duas fibras ópticas (quatro, para oferecer redundância e até oito dependendo dos planos futuros da operadora) – uma para downstream e outra para upstream – o custo torna-se maior ainda. Neste caso, utilizar a topologia em anel faz mais sentido e proporciona um gasto menor para a proprietária da rede. A figura 9 ilustra as diferenças entre as topologias em questão, de forma que seja possível ter uma pequena noção dos recursos exigidos por cada uma.

      Figura 9

      O comprimento dos trunks depende de vários fatores, como frequência da rede (750/860 Mhz ou 1 Ghz), comprimento de onda da luz emitida pelo laser do nó óptico e quantidade de canais transmitidos, mas na topologia em estrela tipicamente chega a até 25 Km. O comprimento máximo de um trunk operando com laser à 1310 nm situa-se entre 35 e 40 Km. Já se o laser operar à 1550 nm e se for utilizado um amplificador EDFA (Erbium Doped Fiber Amplifier) tanto no centro de operações quanto no nó óptico, o comprimento máximo pode chegar à 100 Km. Multiplicando o número de nós ópticos da figura por setenta ou oitenta (dependendo do número de clientes atendidos por nó óptico), podemos facilmente perceber que o custo desta topologia seria excessivamente alto.

      Já na topologia em anel, as distâncias entre nós ópticos são menores – variáveis, mas menores – implicando uma quantidade menor de cabos a ser utilizada. É importante ressaltar que a proprietária da rede HFC provavelmente utiliza vários anéis para cobrir uma determinada área, ao invés de um único grande anel. Esta configuração proporciona o isolamento de problemas na rede, limitando-os à uma área geográfica menor. Podemos inferir isto baseado em incidentes acontecidos na rede da NET em Porto Alegre, onde vários bairros ficaram sem sinal devido à problemas nos cabos de fibra óptica (referências aqui e aqui).

      Nó óptico: é o equipamento responsável pela distribuição do sinal recebido do CMTS através dos trunks. São posicionados próximos às áreas que devem atender, de onde se propagam os feeders que efetivamente cobrirão a área designada. A figura 10 ilustra o processo de distribuição do sinal.

      Figura 10

      Conforme explicado anteriormente, uma rede HFC é composta por um híbrido de cabos de fibra óptica e coaxiais. Os cabos de fibra óptica ou trunks se estendem do centro de operações até os nós ópticos, de onde saem os cabos coaxiais ou feeders. Ao chegar no nó óptico, o sinal de downstream é convertido de óptico para elétrico e inserido nos feeders, da mesma forma que o sinal de upstream originado nos clientes e transmitido através dos feeders é convertido de elétrico para óptico e inserido na fibra óptica dedicada ao fluxo de upstream. Existem modelos de nós ópticos que utilizam WDM (Wavelength Division Multiplexing) para transmitir tanto o sinal de downstream quanto o de upstream na mesma fibra óptica utilizando comprimentos de onda diferentes. Ao pesquisar sobre a utilização de nós ópticos com WDM em redes HFC no Brasil, não encontrei nenhuma informação; entretanto, para a utilização de topologia em anel, é altamente provável que as operadoras utilizem CWDM (Coarse WDM), pelo seguinte motivo: a não utilização de WDM implica a utilização de um cabo de fibra óptica exclusivo para upstream em cada nó óptico, praticamente eliminando as vantagens oferecidas pela topologia em anel (citadas no item "Trunk").

      Figura 11 - nó óptico da NET

      Um nó óptico pode possuir (e normalmente possui) até quatro saídas coaxiais, que podem ser amplificadas separadamente (dependendo do modelo e do fabricante). Cada saída coaxial, ou saída de RF, pode atender uma área específica. Por exemplo: inicialmente pode ser utilizada apenas uma saída de RF para atender um grupo de 1000 clientes. Então, conforme surgir necessidade de mais largura de banda, podem ser utilizadas as outras três saídas de RF para dividir o grupo de clientes por quatro, obtendo assim quatro áreas atendendo 250 clientes. Esta divisão seria o equivalente à utilização de quatro nós ópticos que possuíssem apenas uma saída de RF. Poderíamos dizer que cada saída de RF constitui um "nó óptico virtual", capaz de segmentar a parte coaxial da rede e proporcionar mais largura de banda por cliente.

      Estes equipamentos podem operar com LEDs ou lasers de estado sólido, sendo o último predominante devido à potência necessária para a transmissão do sinal óptico à grandes distâncias. O laser pode emitir luz com um comprimento de onda de 1310 ou 1550 nm, ou mesmo os dois caso seja utilizado WDM. Estes comprimentos de onda específicos são utilizados em transmissões via fibra óptica porque proporcionam o menor nível de atenuação dentre todos os comprimentos de onda utilizados. Isto acontece porque na fibra óptica a atenuação varia de acordo com o comprimento de onda da luz utilizada.

      Um fato interessante a respeito do nó óptico, é que o sinal transmitido através dele não é digital, mas analógico – os dados enviados pelo CMTS através da fibra óptica não são compostos por 0's e 1's, mas por um intervalo de valores representado pela intensidade da luz emitida pelo laser (este assunto será tratado com mais detalhes na segunda parte deste artigo). Este tipo de transmissor – seja óptico ou elétrico – é denominado "transmissor linear", e o receptor é denominado "receptor linear". Sendo assim, o nó óptico não necessita realizar nenhum tipo de processamento do sinal que converte, podendo ser categorizado como um "mero" conversor de mídia (ou conversor de meio físico), já que apenas converte o sinal do meio óptico para elétrico e vice-versa. Aqui é importante ressaltar: "converter" o sinal não significa "processar" o sinal – são ações distintas. Para o sinal ser processado, os dados que ele transmite teriam que ser analisados e/ou modificados, o que não ocorre. Na conversão, o sinal é apenas transferido de um meio físico para outro, sem sofrer alteração em seu conteúdo. A amplificação do sinal elétrico (isto é, depois da conversão opto-elétrica) também não altera seu conteúdo.

      Mas porque os dados que trafegam pela fibra óptica não são digitais? Porque antes do advento da tecnologia HFC, os trunks eram cabos coaxiais mais grossos, capazes de transmitir o sinal até as ramificações próximas às áreas de distribuição. Sendo assim, o sinal de RF era transmitido de uma ponta à outra de forma modulada (inerentemente analógica). Ao substituir uma parte dos cabos coaxiais por fibra óptica, era necessário manter a natureza do sinal ou então equipar os nós ópticos com equipamentos complexos chamados moduladores QAM (Quadrature Amplitude Modulation), que são integrados ao CMTS (embora exista a arquitetura modular, onde o modulador QAM é um dispositivo separado, ainda assim deve ser interligado diretamente ao CMTS). Então, para evitar mudanças complexas na rede – que tornariam o custo proibitivo – o tipo de sinal transmitido pela fibra óptica foi mantido o mesmo dos cabos coaxiais. Assim, a troca de cabos coaxiais pela fibra óptica tornou-se imperceptível aos demais elementos da rede HFC.

      Um nó óptico costuma atender um grande número de clientes, que pode variar de acordo com o país, a arquitetura da rede e a "profundidade" (ou penetração) da fibra óptica. Segundo algumas referências, o número típico de clientes por nó óptico ao redor do mundo costumava estar entre 500 e 2000. Porém, a necessidade de mais largura de banda – seja pelos serviços oferecidos ou pela concorrência com o xDSL – obrigou as operadoras de TV à cabo a diminuirem o número de clientes por nó óptico. Atualmente, fora do Brasil, o número de clientes por nó óptico pode chegar a 25. No Brasil, o número de usuários por nó óptico vem sendo reduzido de 2000 para cerca de 500, sendo que o próximo passo é reduzir para cerca de 120,  segundo esta reportagem. Quanto mais largura de banda os usuários (ou os serviços sendo oferecidos) exigirem, menos clientes devem compartilhar o mesmo nó óptico.

      Fiber dome closure: também conhecido como FOSC (Fiber Optical Splice Closure) ou "bolsa coletora", é um recipiente onde são criadas as emendas (ou "soldas") nos cabos de fibra óptica. Em redes ópticas de telecomunicações, quando a distância entre dois pontos que devem ser ligados por fibra óptica é muito grande para um único cabo, é necessário criar uma emenda. As emendas também podem ser necessárias caso os cabos sejam diferentes - por exemplo, emendar um cabo de 48 fibras à quatro cabos de 12 fibras - ou em caso de ruptura acidental do cabo. Uma vez que um ou mais cabos são emendados, devem ficar protegidos contra intempéries, poeira ou tensão mecânica. Esta é a finalidade do FOSC: proteger as emendas, além de proporcionar um ponto em comum para emendas na rede.

      Figura 12 - fiber dome closure, "bolsa coletora" ou FOSC

      Depois de realizada a emenda, o FOSC é fechado e selado mecanicamente para que não haja entrada de ar, proporcionando um ambiente praticamente livre de impurezas que possam afetar a emenda. O invólucro é geralmente composto de plástico de alta resistência, e as partes metálicas internas de aço inoxidável. O FOSC não pode ser qualificado como um elemento de rede - como todos os outros já citados - mas merece menção por ser comum (e bem visível) em redes ópticas, incluindo redes HFC.


      CMTS: localizado no centro de operações, o Cable Modem Termination System é um conjunto de dispositivos com funções específicas que se complementam na tarefa de gerar, processar, transmitir e receber dados e de gerenciar sua transmissão através da rede DOCSIS. Dependendo da arquitetura de CMTS utilizada, estes dispositivos encontram-se integrados em um mesmo chassis (I-CMTS, ou Integrated CMTS) ou como equipamentos separados (M-CMTS, ou Modular CMTS). Neste artigo, o termo CMTS refere-se ao conjunto de dispositivos que controlam a rede DOCSIS, não efetuando distinção em sua arquitetura.

      Figura 13 - CMTS

      Uma das funções do CMTS é rotear os pacotes IP do cliente para a Internet (ou para a rede IP da operadora) e vice-versa. Por este motivo possui uma ou mais interfaces ethernet (1Gb ou 10Gb) ligadas à rede IP da operadora, e uma interface RF  ligada à rede HFC. Os conectores RF podem ser vistos na figura 13. Um diagrama simplificado das conexões do CMTS é mostrado na figura 14.

      Figura 14

      A segunda parte deste artigo tratará do funcionamento de uma rede DOCSIS e detalhará este processo, mas podemos adiantar que os pacotes IP originados no cliente chegam ao CMTS através de frames ethernet encapsulados em frames DOCSIS. O CMTS então extrai os pacotes IP dos frames e efetua o roteamento adequado: se forem dados do usuário (transmitidos pela interface ethernet do cable modem), eles são encaminhados até um roteador de borda que atua como gateway para a Internet; se forem de telefonia (via PacketCable), são encaminhados aos equipamentos que controlam a rede PacketCable. Se a ligação telefônica efetuada for para a rede de telefonia convencional (STFC, ou Serviço Telefônico Fixo Comutado), então um dos equipamentos que operam a rede PacketCable efetua a devida conversão e roteamento. Deve ser ressaltado que esta é uma simplificação do processo: os CMTSs conectam-se à rede IP da operadora, que possui uma configuração mais complexa do que a demonstrada na figura 14. Já no sentido oposto - da Internet (ou da rede IP da operadora) para o cliente - os pacotes IP são recebidos pelo CMTS e encapsulados em frames MPEG-TS (MPEG Transport Stream) que são transmitidos através da rede HFC como um canal de TV normal.

      Outra função concernente ao CMTS é gerenciar a transmissão de dados na rede DOCSIS através do controle dos cable modems ou EMTAs (analisado posteriormente). Aqui é importante notar que o CMTS lida apenas com a transmissão de dados na rede HFC, através da especificação (ou protocolo) DOCSIS. A transmissão de canais de TV (sejam analógicos ou digitais) e VoD (Video on Demand) não são  gerenciados pelo CMTS, que não tem conhecimento da existência destes serviços. Apenas o tráfego de dados de e para a Internet e de telefonia são responsabilidades do CMTS: é ele que define qual cable modem (ou EMTA) poderá transmitir seus dados e por quanto tempo, por exemplo. Estas decisões são baseadas em algoritmos consideravelmente complexos, que analisam várias informações sobre a rede física e lógica.

      Um CMTS atende um grande número de clientes, mas este número depende de alguns fatores complexos, como a qualidade da rede HFC, número total de casas passadas, performance dos serviços de rede, número de usuários por porta upstream, etc, conforme descrito neste artigo. Números típicos situam-se entre 4.000 e 150.000 ou mais clientes por CMTS - na verdade, este número é alcançado somente pela utilização de vários módulos CMTS instalados em um ou mais chassis, sendo que o conjunto destes módulos representa um CMTS "global".

      Até agora foram descritos os elementos de rede externos de uma rede HFC. Os elementos de rede internos (instalados no cliente) são os seguintes:

      Cable modem: é o equipamento responsável por transformar o sinal de RF originado no CMTS em pacotes IP para o cliente e vice-versa. Possui uma interface RF e uma interface ethernet (ou USB, em alguns modelos). No sentido de downstream, o cable modem demodula os sinais de RF recebidos pela rede HFC e extrai os pacotes IP encapsulados em frames MPEG-TS, enviando-os para a interface ethernet. No sentido de upstream, encapsula os frames ethernet em frames DOCSIS, modulando-os e enviando-os para a interface RF. A figura 15 mostra um diagrama simplificado da arquitetura de um cable modem.

      Figura 15

      Com o oferecimento de serviços de telefonia sobre a rede DOCSIS, tornou-se incomum disponibilizar cable modems aos clientes, uma vez que não possuem interfaces para aparelhos telefônicos. Sendo assim, apenas  clientes que não contratam serviços de telefonia recebem cable modems em sua instalação. Para aqueles que contratam os serviços de triple play é disponibilizado um EMTA, descrito a seguir.

      EMTA: sigla de Embedded Multimedia Terminal Adapter, este equipamento é um cable modem com um adaptador multimídia embutido, que utiliza o protocolo PacketCable para transmitir o sinal de voz sobre a rede HFC. Os EMTAs normalmente possuem 2 interfaces RJ-11 (de telefones comuns), permitindo a configuração de até duas linhas telefônicas por equipamento. A figura 16 mostra um EMTA da THOMSON.

      Figura 16

      Em alguns mercados, este mesmo modelo é comercializado pela RCA, conforme o detalhe de um EMTA fornecido pela NET, exibido na figura 17.

      Figura 17

      Tanto o cable modem quanto o EMTA realizam a mesma tarefa - enviar dados do usuário para o centro de operações e vice-versa. A única diferença é que o EMTA também transporta sinais telefônicos. Essa similaridade de funções faz com que os EMTAs sejam comumente chamados de cable modems pelo público em geral. Nas demais partes deste artigo, os termos serão utilizados em seus contextos específicos: cable modem referindo-se à banda larga e EMTA referindo-se à telefonia.

      Aqui encerra-se a primeira parte deste artigo, que foi focada nos elementos ativos e passivos de uma rede DOCSIS/HFC. Conforme explicado anteriormente, a segunda parte deste artigo tratará do funcionamento da rede DOCSIS: modulações utilizadas, encapsulamento, alocação dinâmica de largura de banda, controle de transmissão por parte do CMTS, etc.

      Atualização: a ideia original era publicar a segunda e última parte deste artigo contendo todos os aspectos técnicos relativos ao funcionamento de uma rede DOCSIS/HFC. Entretanto, esta segunda parte seria muito grande e tomaria muito tempo para ser finalmente publicada. Por este motivo, acredito que seria melhor dividir esta segunda parte em outras "n" partes, de modo que sejam menores (mais fáceis de absorver) e que tomem menos tempo para publicar. Então, em breve estarei publicando mais uma parte.

      Referências


      Livros e White Papers:
      "Broadband cable access networks: the HFC plant" - David Large, James Farmer
      "Literature Survey Report for the Broadband Cable Modem Service" - Vários autores
      "Broadband System - D. Coaxial Cable and Fiber Optic" - CatvExpert
      "Optical Node Configurations for HFC Networks" - David Slim
      "POWERING LARGE SCALE HFC NETWORK" - Hassan Kaveh
      "Acesso residencial em banda larga" - Edmundo Lopes Cecílio
      "REDES DE ACESSO MULTI-SERVIÇO" - Mário Serafim dos Santos Nunes
      "PWE/PME Series Technical Manual" - Alpha Technologies
      "Cable Network Handbook" - Cable Europe Labs


      Internet:
      http://www.tonercable.com/index.php?id=3&ProdID=830
      http://revistahometheater.uol.com.br/site/tec_artigos_02.php?id_lista_txt=3682
      http://www.cablelabs.com/news/newsletter/SPECS/MayJune_SPECSTECH/tech.pgs/story2.html
      http://www.elp.com/index/display/article-display/361762/articles/utility-products/volume-6/issue-5/product-focus/wire-cable-fiber-optics/single-fiber-cwdm-sfc-tapping-the-mso-ldquohidden-assetrdquo.html
      http://www.digitalmodulation.net/qam2.html
      http://www.cablelabs.com/news/newsletter/SPECS/April2000/news.pgs/story5.html
      http://www.gta.ufrj.br/grad/01_1/fibrasoticas/fibrasopticas.htm
      http://www.cisco.com/en/US/tech/tk86/tk804/technologies_tech_note09186a00800a9702.shtml

      quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

      Banda larga de 100 Mbps via FTTH da GVT (atualizado)

      Quando soube que a GVT iria oferecer serviços de banda larga via fibra óptica, comecei a pesquisar para tentar descobrir qual tecnologia a empresa utilizaria: GPON ou active ethernet. Nesse processo, passei por vários fóruns, blogs e reportagens, que nem sempre divulgavam informações factíveis – a quantidade de "achismos" é muito grande.

      Através da análise de informações colhidas da imprensa em geral e de algumas fontes da área de telecom, além da análise dos equipamentos utilizados pela empresa (nos postes, prédios, clientes, etc), é possível fazer uma espécie de "engenharia reversa mental" da rede da GVT.

      Ao tentar entender a rede da GVT e fazer algumas inferências, percebi que a GPON não se encaixava naquele modelo. Em um dos fóruns pelos quais passei, uma pessoa escreveu como se tivesse certeza absoluta que a tecnologia utilizada pela GVT era GPON. Naquela época (há uns 2 ou 3 anos) a GPON, segundo algumas opiniões, estava quase se concretizando como o padrão de facto para fornecer triple play via fibra óptica no mundo todo – inclusive no Brasil. Entretanto, nunca vi a GPON fazendo sentido para uma empresa como a GVT, que desde o início de suas operações comerciais no ano 2000 já possuía uma rede NGN, que vem sendo expandida ano após ano.

      Mas porque a GPON não faz sentido para a GVT? Segundo os proponentes das tecnologias xPON, a grande desvantagem do active ethernet é que ele necessita de componentes "ativos" no campo, isto é, equipamentos eletricamente ativos acomodados em gabinetes ou armários em algum lugar "nas ruas". E o custo de ter componentes ativos "nas ruas" é alto – isto é, necessita um capex (gasto inicial de capital) maior – o que tornaria a tecnologia não tão atraente do ponto de vista financeiro. Entretanto, esse é justamente o fator que torna o active ethernet atraente para a GVT, visto que ela já possui componentes ativos no campo – a infraestrutura foi criada assim desde o início da empresa.

      Utilizando armários multisserviço, a GVT pode oferecer tanto voz quanto banda larga através das várias tecnologias oferecidas pela empresa, como ADSL, ADSL2+, VDSL2 e FTTH. Os armários da GVT geralmente ficam situados em lugares protegidos, como prédios residenciais ou comerciais e não "nas ruas". Sendo assim, adicionar um switch ethernet modular ao armário não é mais difícil ou complicado que adicionar módulos ADSL, ADSL2+ ou VDSL2. Mas como eu sei que a GVT utiliza armários multisserviço? Sinceramente, não achei nenhuma informação direta a respeito disso, mas é fácil inferir: se a empresa utiliza um mesmo armário terrestre para atender clientes com conexões ADSL, ADSL2+, VDSL2 e FTTH, esse armário só pode ser multisserviço.

      Então, para a GVT, o active ethernet cabe perfeitamente em sua infraestrutura, ao contrário da GPON. Nenhum fator tecnológico impediria a GVT de utilizar GPON mesmo tendo componentes ativos no campo, mas se o propósito de utilizar splitters passivos - inerentes às tecnologias xPON - é justamente evitar o uso de equipamentos eletricamente ativos no campo, não faria nenhum sentido. Mas a prova definitiva de que esta inferência está correta veio quando achei este site, que confirma o active ethernet como a tecnologia FTTH utilizada pela GVT. Trata-se de um site com informações para investidores, onde constam informações públicas sobre a GVT, incluindo as tecnologias utilizadas pela empresa (esta informação está na página 33 do documento online).

      Mas a melhor maneira de analisar estas informações e colocar as inferências à prova é utilizando a tecnologia em si. Ao contratar o serviço Power GVT de 100 Mbps (eles usam o termo "Mega", mas me recuso a fazer o mesmo) tive a possibilidade de conhecer um pouco mais sobre a infraestrutura da GVT.

      No caso do FTTH, se o cliente é o primeiro a solicitar o serviço na área servida pelo armário correspondente (nem sempre é o armário mais próximo do cliente), a fibra é trazida do armário até uma "bolsa coletora" (ou fiber dome closure), instalada na rede aérea em frente ao endereço do cliente. A figura abaixo mostra a bolsa coletora instalada na rede aérea em frente a empresa.


      A finalidade da bolsa coletora é trazer um ponto de conexão tanto para o cliente que solicitou o serviço quanto para futuros clientes na área. A partir dela sai uma fibra até o DG (Distribuidor Geral) da empresa – não porque necessite de uma conexão via DG, mas porque o DG é (geralmente) o ponto de entrada para os cabos de telecomunicação em um prédio – e dali até o local especificado pelo cliente para a instalação dos equipamentos.

      O cabo de fibra que vem da bolsa coletora é então cortado e é realizada uma emenda a dois outros cabos (um para downstream e outro para upstream) conectados a uma interface mini-GBIC. Na foto abaixo, os dois cabos azuis estão conectados à interface mini-GBIC:


      A interface mini-GBIC é então conectada a um conversor de mídia (foto abaixo), que converte o gigabit ethernet óptico em gigabit ethernet elétrico.


      É interessante notar que a GVT optou por fornecer um link com capacidade de até 1 Gbps para os clientes FTTH, mesmo oferecendo um serviço de no máximo 100 Mbps. O motivo é óbvio: no futuro, velocidades maiores poderão ser oferecidas aos clientes, apenas utilizando o devido software de gerência da rede, desde que haja capacidade nos anéis (ou subanéis) ópticos que interligam os armários ao CO (Central Office). Prova disto, é esta matéria do Estadão, afirmando que a GVT pretende oferecer até 200 Mbps para assinantes residenciais nas novas redes metropolitanas sendo construídas (como em SP, por exemplo).

      Outro fato marcante a respeito das escolhas tecnológicas da GVT, é que o protocolo utilizado para dar acesso ao cliente é o "bom e velho" ethernet: ao contrário da GPON, não existe necessidade de equipamentos customizados, caros e complexos (ONU/ONT) no lado do cliente, bem como camadas de protocolos complexos (ex. GFP) para encapsular o ethernet – apenas um conversor de mídia e ponto final. Aliás, se o cliente possuir um servidor ou roteador com uma interface gigabit ethernet óptica (1000BASE-LX/SX), nem precisará do conversor de mídia.

      A GVT também fornece um roteador wireless em comodato, que pode variar de fabricante (assim como o conversor de mídia). No meu caso esse roteador não foi utilizado, uma vez que a interface gigabit ethernet do conversor de mídia foi conectada diretamente a um servidor proxy.

      A autenticação é feita da mesma maneira que nas conexões xDSL – através de PPPoE. Basta configurar o usuário e senha do provedor (no caso da GVT, não é necessário um provedor externo – apenas se o cliente assim desejar) e a conexão é autenticada. Em tese, a autenticação não seria necessária, mas provavelmente aconteça por uma questão de segurança e/ou contabilização do acesso.

      Depois de toda essa "teoria", a pergunta que permanece é: "e a qualidade do serviço?". Bom, neste quesito a GVT manteve o padrão que possui (pelo menos aqui na região Sul) – de muito bom à excelente. Sobre o padrão da GVT: a esmagadora maioria dos clientes GVT que conheço – incluindo a mim mesmo – está plenamente satisfeita com os serviços da operadora, tanto de telefonia quanto de banda larga.

      Ao realizar o teste de velocidade da GVT (www.testepower.com.br) a velocidade não apenas alcança os 100 Mbps como quase sempre excede-os, como era de se esperar. Certa vez, a velocidade alcançada foi de mais de 500 Mbps. Entretanto, gosto de realizar testes de velocidade mais "realísticos", utilizando o www.speedtest.net ou mesmo efetuando download de imagens ISO de DVD (geralmente do Gentoo Linux, no mirror da UFMG). A figura abaixo representa um print screen de um teste realizado no servidor speedtest.net do PoP (Point of Presence) da RNP (Rede Nacional de Pesquisas) em Florianópolis, Santa Catarina:


      Atualização: a figura abaixo exibe o print screen do teste realizado no servidor speedtest.net hospedado pela COPEL, disponível neste link, conforme sugestão do amigo Maurício Brixner:


      Sendo que o contrato de serviço prevê 100 Mbps de downstream e 10 Mbps de upstream, esses valores podem ser considerados excelentes.

      Já a figura abaixo mostra um download sendo realizado do servidor FTP da UNICAMP:


      Com uma taxa de transferência de 8,3 MBps (megabytes por segundo), temos uma velocidade de 8,3 x 8 = 66,4 Mbps (megabits por segundo), ou 66,4% da velocidade máxima possível. Estes 8,3 MBps foram alcançados no pico da transferência – a taxa média ficou em 5,5 MBps. Obviamente, o fator limitante aqui foi o servidor FTP e não o link da GVT. A prova disto é que em outros testes já realizados onde foi efetuado download do mesmo arquivo, porém no servidor HTTP da UFMG, o pico da taxa de transferência alcançou pouco mais de 11 MBps (sendo que o máximo para 100 Mbps é 100 / 8 = 12,5 MBps).

      A conclusão a que podemos chegar, baseando-nos nestes fatos, é que a GVT tem feito uma série de boas escolhas tecnológicas nestes 10 anos de operação, que proporcionam uma boa (senão ótima) qualidade de serviço aos clientes e que hão de proporcionar um caminho tranquilo para o futuro, inclusive com a oferta de IPTV, já anunciada em vários sites de notícias desde 2008 (por exemplo, aqui).